Próxima Rodada: Mentalidade Apocalíptica X Trump
A vitória de Donald Trump nos EUA tem trazido muita apreensão no sistema internacional, porém, é bem provável que parte expressiva dessa tensão possa ser atribuída mais a uma mentalidade apocalíptica que perpassa o mundo, do que à personagem que o Presidente eleito em 8 de novembro de 2016 representou ao longo de sua campanha eleitoral.
Dentre os elementos presentes na questão, três pontos são essenciais e precisam ser levados em consideração, ao observarmos o novo mandato a ser inaugurado: a pauta do Partido Republicano; as instituições políticas norte-americanas; e, claro, a personalidade do líder que conduzirá o país, mais que seu discurso de campanha.
Com relação a pauta republicana, certamente se deve esperar um certo enrijecimento em temas domésticos e uma política externa mais focada, sendo este foco definido em apoio às políticas voltadas para suprir as necessidades internas mais urgentes: emprego, reerguimento do empreendedorismo, atração de capital, preservação dos investimentos em território norte-americano, ampliação e preservação dos mercados pelo mundo e, apesar de os republicanos serem porta-vozes de um comércio livre de barreiras alfandegárias, garantir uma dose mínima de proteção ao seu mercado interno e ao seu empreendedor. Não podemos esquecer que, em política internacional, os republicanos também são conhecidos pelo seu isolacionismo.
Da mesma forma, é possível que Trump tenda a ser mais rígido com relação a temas sociais contra os quais parte do Partido Republicano normalmente se apresenta e foram caros ao Governo que sairá, pois fazem parte da agenda e propaganda democrata, principalmente no que diz respeito a questões sensíveis como o aborto, drogas, casamento homo afetivo, racismo, imigração e formas de universalizar a saúde, questões que nessas últimas décadas foram encampadas pela esquerda norte-americana, mesmo que isso não lhe seja propriedade, já que também constam na agenda de um majoritário segmento da direita liberal e libertária dos EUA, os quais, por terem foco nos direitos individuais, chegam até mesmo a defender políticas sociais de inclusão, mas com outras metodologias, sendo este o caso principalmente dos liberais, e a defender questões que são típicas dos democratas, como a liberalização da maconha e o aborto, propostas vindo especialmente dos libertários estadunidenses. Destaca-se que esta pauta de inclusão também está na agenda de quase a totalidade da centro-direita pelo mundo, o que muda é o debate e a metodologia para alcançar tal intento.
O que os republicanos dos mais variados matizes têm de comum e perpassa o seu espírito e sentimento é que se preocupam com algo sagrado para o cidadão norte-americano: que ele seja livre para empreender e, como condição sine qua non para tanto, que o governo deva ser constrangido a não se sobrepor à sociedade, pois ninguém pode se sentir no direito de invadir a privacidade individual, logo, que não se sinta no direito de interferir na fruição individual das particularidades, o que lhes leva a acreditarem tanto no empreendedorismo, na propriedade, na livre iniciativa, algo que não pode ser alcançado, ou ter desempenho adequado, bem como resultados positivos, se ocorrer a invasão do governo, especialmente como um agente econômico.
Isso é um dos pontos que esclarece por que os republicanos defendem tanto pautas como redução dos impostos, responsabilidade fiscal governamental, transparência nos gastos públicos e se afastam da ideia de investirem em políticas públicas de inclusão social, já que acreditam que a sociedade pode cumprir tal papel e fazer melhor se houver uma economia equilibrada, desenvolvida, concorrencial e existir liberdade de ação para cidadão. O social se resolve pela correta fruição do privado.
Sabe-se que, apesar de os Republicanos aparecerem como ultraconservadores, esta é uma imagem do partido que recebeu muitos holofotes com a chegada dos Bush, devido a grande capacidade de mobilização que tinham e ainda têm seus importantes apoiadores, as alas dos conservadores sociais e direita cristã, embora sejam menores que as alas dos moderados, a real majoritária dentro do partido, e dos libertários e liberais.
Ou seja, quanto ao primeiro tópico, que é a pauta do Partido, não se pode reduzir os republicanos a um ou dois dos seus segmentos, que ganhou ou ganharam relevância pela mobilização que conseguiram, mas que são minoritários e terão de conviver com o fato de Trump ter conseguido o voto de grupos que não são muito associados ao ultraconservadorismo dessas alas extremadas, e de cidadãos empobrecidos que cansaram da proposta dos democratas, além de grupos de cidadãos pobres que normalmente votam no outro Partido, mas viram em Trump duas coisas: (a) uma aposta no novo, sendo assim uma forma de confrontar as estruturas estabelecidas da política norte-americana, da qual Hillary faz parte e ele jogou afirmando que não faz, porém significando isso mais uma rejeição ao conhecido – a Hillary –, do que um entendimento daquilo que Trump pode fazer; e (b) em segundo lugar, uma aposta em algo que pode ser diferente das políticas típicas dos democratas, que incham os gastos púbicos e não conseguem gerar resultados. Além do mais, ele recebeu apoio de uma massa que respondeu assertivamente à ideia de que os EUA fortes, tal qual foram outrora, só voltará a ser realidade se retomarem seu espírito primordial, ou seja, quando o indivíduo recuperar a capacidade de empreender e, embora não tenha ficado claro, parece que essa massa começou a perceber que, para retornar aos fundamentos da política estadunidense, é necessário abandonar a latinização da política norte-americana, tal qual vem ocorrendo, especialmente graças a maneira recente de os democratas trabalharem a Presidência da República. Sobre este último ponto é necessário trazer esclarecimentos para evitar distorções no que se quer dizer.
Abandonar o processo de latinização da política dos Estados Unidos, ou a política latinizada, não se refere a impedir à entrada de latino-americanos, impedir a imigração ou a miscigenação, mas retornar ao pensamento político norte-americano originário, segundo o qual quem governa são os Estados da Federação e não o Governo Federal. Neles se concentram os esforços de produzir políticas públicas, dentro de parâmetros de empreendimento individual e respeitando as particularidades locais. Ao Governo da União cabe presidir o Concerto, buscando formas garantir e estimular o pleno desenvolvimento dessas governanças, e, claro, a preservação da unidade, bem como a Segurança do Estado Federal perante o mundo, tanto que lhes cabe as tarefas de Defesa, Política Monetária e Relações Exteriores, curiosamente, nesse último caso, sem excluir o direito de relações externas das unidades federadas e de suas subunidades, que desenvolvem plenamente a paradiplomacia.
Nesse sentido, afastar a latinização da política significa afastar o hábito que não é seu, mas vem adquirindo, e tem sido comum aos latino-americanos ao longo de sua história, independentemente dos demais exemplos e matrizes que existem e existiram pelo mundo. Ou seja, afastar o comportamento político que os latinos têm de concentrar as decisões políticas no governo federal, em quase todas os setores expressivos, submetendo as políticas e planejamentos nas decisões centralizadas, algo que tende a gerar gastos e desperdícios típicos de modelos concentrados, mesmo que o façam sob o argumento de ser necessário para poderem adotar políticas de inclusão social e melhor gerenciar o crescimento populacional, bem como solucionar a desigualdade e impedir os seus avanços. Este parece ter sido um comportamento dos democratas que, recentemente, tanto incomodou parcelas expressivas dos que votaram em Trump, mesmo que, antes das eleições, quando eram perguntados por quem optavam, tivessem vergonha de admitir que votariam nele, desconversando, ou davam uma resposta conveniente aos pesquisadores dos institutos, tal qual os analistas e pesquisadores vêm afirmando neste momento, na busca de entender o que aconteceu.
Ao longo de sua história, os norte-americanos produziram as condições institucionais para agirem naquele modelo originário e, hoje, sofrem com as afrontas feitas a ele, mesmo que elas tenham ocorrido por motivos nobres. Para aquele cidadão médio que está preocupado em ter sua casa, trabalhar, empreender, gozar tranquilamente de sua vida e desfrutar dos prazeres com sua família, não fica claro como um indivíduo em Washington pode saber o que ele quer em saúde, em educação ou em segurança. Para ele, só quem pode saber disso é seu governante imediato, com quem se encontra na praça, nos bailes, nos cafés, na Igreja e ali conversa diretamente, dizendo francamente o que precisa. Ou seja, percebem que a distância física do governante em relação ao povo governado se reflete na dinâmica e também na distância programática de um governo e na ineficácia das políticas públicas, bem como no entendimento do cidadão sobre necessidades gerenciais e governamentais que lhes escapam da percepção.
Para os latino-americanos essa distância e mesmo irrealismo dos programas, projetos e políticas públicas não incomoda, pois, devido a sua história e desenho institucional, estão adaptados a considerar normal que um Programa de Governo seja uma peça estética ou um discurso de afirmação dos donos do poder, já que o espaço público é apenas uma ficção. Se se aproximam do líder, normalmente não é para cobrar resultados, mas para buscar proteção e privilégios. O que existe são pequenos e médios espaços privados, indivíduos desprovidos de quaisquer lugares para si e grandes espaços apropriados por quem tem o poder. Estes ambientes que são chamados de públicos na realidade são lugares em que há muito trânsito, mas sua fruição, uso pleno e sem constrangimentos está destinada normalmente apenas a alguns grupos e seus associados, ligados especialmente aquele que governa ou detém a capacidade de mando, algo que, na América Latina, se mantém quase sempre pelo mesmo segmento e na mesma condição há séculos.
O pensamento político primordial dos norte-americanos estabelece que deve existir uma distinção clara entre o público e privado. O público é destinado a todos porque todos pagam por ele e isto é reconhecido socialmente, e quem não o faz (não paga ou não reconhece) está fora desse processo. A forma de garantir que tal consideração se preserve é que o governo se ponha no seu lugar e não interfira no desempenho da sociedade, ou seja, que esta seja a mola empreendedora e não o Estado, por intermédio do governo.
O que os últimos democratas fizeram foi abandonar essa lógica para implantar a latino-americana: o governo é o central, de onde virão as políticas públicas gerais, especialmente de inclusão social, sobrepondo-se à sociedade nas regiões (Estados) e aos seus mais amplos segmentos, na busca de um equilíbrio e elevação das minorias. Esses objetivos são nobres e devem ser buscados, mas esqueceram de avisar que, para produzir resultados, essa forma de atuar precisa de um modelo centralizado, com cultura e instituições que defendem a centralização política e administrativa, e regimes tendendo à oligarquia, por isso propensos aos autoritarismos, mas não à democracia; além do mais, com um povo cujo espírito está acomodado ao autoritarismo (ou seja, acha normal ser submisso ao seu empregado, aquele representante político que o governa, ao invés de ser seu fiscal, inquiridor, controlador e algoz, se necessário, claro que dentro das regras instituídas). No mundo, ninguém tem mais aversão ao Governo dos EUA que a sociedade e o cidadão estadunidense. Eles gostam e admiram os Líderes e se submetem as instituições, porque percebem que Estado não é Governo e líder não é igual a governante, sendo que estes últimos podem até se confundir e equivalerem, mas o primeiro é alguém que aponta caminhos e mostra processos, o segundo é apenas um empregado, que tem de se comportar como tal e trabalhar muito para adquirir o reconhecimento do status de líder.
Nesse sentido, acredita-se que na agenda política dos republicanos tentar-se-á restaurar esses princípios, pois, no discurso várias vezes nebuloso de Trump, parece que era isso que ele queria dizer, ou que era isso que os seus eleitores queriam ouvir, mesmo que ele não dissesse, de maneira que Trump terá de responder a tal pauta, mais que impor aquela parte da retórica de campanha carregada de mobilização social para uma massa que vê a natureza dos EUA se dissipar e ficar cada vez mais longe da sua realidade fundadora. Sendo assim, ele terá de negociar muito com os segmentos republicanos que não aceitarão seus arroubos, especialmente em politica externa, mesmo que outro segmento dentro do Partido, o dos neoconservadores, por exemplo, solicite atuação interventora e unilateral nas relações exteriores e ação bélica pelo globo na defesa dos interesses do país, algo que cairia como uma luva no discurso de restaurar a grandeza norte-americana no mundo. No entanto, parece ser mais provável que Trump, tal qual a maioria dos republicanos, queira mais invadir o sistema internacional pela economia que pela guerra. Se isso for real, também é mais provável que ele queira mais negociar investimentos e parcerias do que alianças para invadir países em nome da Democracia e dos Direitos Humanos. Ao que tudo indica, pragmaticamente, para ele, Democracia é resultado de mercado consumidor amplo e em total funcionamento, já direitos humanos, é o resultado do pleno emprego, e isso cairá bem para a agenda do Partido e para a restauração do comportamento tradicional republicano de isolacionismo em política internacional, controlando, assim, os neoconservadores.
Completando esse tópico, a visão apocalíptica tem o hábito de amaldiçoar a chegada de republicanos ao poder, mas, ao fazê-lo, desprezam a variedade de vertentes internas, de seus fundamentos, de existir um grande contingente de membros que convergem para o centro. Em síntese, é elevada a probabilidade de que haja um freio entre os próprios republicanos para que Trump caminhe para o retorno aos princípios partidários (especialmente na economia e governança) e em equilíbrio com as vastas correntes domésticas, mas não um apoio aos arroubos da personagem criada durante a campanha eleitoral.
O segundo ponto, as instituições políticas norte-americanas, talvez seja o mais importante. A estrutura política do país detém um conjunto de instituições que realizam um processo de contrapeso entre elas. Há muitos controles que obrigam o Presidente a se submeter constantemente a negociações no Congresso, sem as quais ele não dará andamento à maioria dos projetos e decisões. O dado significativo de que neste momento se vive um triunvirato republicano (Presidência, somada a maioria na Câmara dos Representantes e no Senado) se enfraquece pela amplitude de pautas dentro do Partido e das divergências entre as correntes, o que torna admissível pensar que os múltiplos segmentos, pontualmente, venham a amparar reivindicações dos democratas, caso ocorra uma extrapolação por parte de Trump, tanto que não foram poucos os líderes republicanos que antecipadamente se manifestaram afirmando que não votariam nele e não lhe apoiariam no caso de vitória.
Não é improvável que ele seja sempre minoritário, tendo de enfrentar contraposições em várias situações, pois confrontará o bloco democrata associado a uma parcela de republicanos numa questão, o bloco democrata associado a outra parcela de republicanos em nova questão, o bloco democrata novamente associado a mais uma parcela diferente de republicanos em outra questão, de maneira que poderemos ver quase a situação de um independente que chegou ao poder e terá de negociar com os dois partidos, mesmo porque, se ele quis mostrar que era o novo, ou o anti-establishment político, certamente será visto como um independente e existe certa probabilidade de que seja obrigado a caminhar para o centro para conseguir governar.
Um resultado provável é que, ao invés dos arroubos de grandeza, ele retorne aquilo que os republicanos sempre fizeram: foco na economia, no empreendedorismo, ampliação do mercado, negociação de avanços econômicos, isolamento internacional e, ao fazer a guerra (certamente feita por decisão unilateral e impaciente), o fará apenas quando os interesses essenciais do Estado norte-americano forem afetados e não supostamente para defesa princípios filosóficos. Caso isso ocorra e se for preciso o uso de discursos dissimuladores, certamente ele, o governo e o país farão, mas tal procedimento está dentro do jogo da política. Diríamos que retornará a uma modalidade de realismo nas relações internacionais, que, se incomoda pela sua crueza, no entanto não mascara a real intenção com discursos éticos e com a mobilização da comunidade internacional para apoiar situações nebulosas e, às vezes, de excepcional violência e difícil controle.
É alta a probabilidade de a América Latina ficar em um canto menor da pauta, sendo possível que, se houver algum incômodo, a resposta será precisa para aquilo que incomoda. Se tal situação é boa ou ruim para nós, depende da capacidade de fazer política externa dos países da região, dos acordos regionais, da sabedoria do Governo que estiver interpretando a situação, bem como da sua habilidade diplomática, capacidade de negociação e equilíbrio social e econômico. Com o quadro que vivemos na nossa região, certamente não será fácil e muitas serão as perdas, principalmente quando o dólar subir e os juros começarem a crescer por lá, atraindo capital para os EUA, mas também não o seria quem quer que fosse eleito, já que o problema de entender e dialogar com a política externa estadunidense é problema nosso e não deles. É muito fácil acusar sempre o Grande Capiroto norte-americano (quem fala Grande Satã são os líderes no Oriente Médio, creio que a nossa versão seria essa) ao invés de entender que nossas mazelas estão na nossa cultura política, no nosso sistema político e nas nossas instituições.
Da mesma forma, é possível acreditar que ele perceberá a Europa e a Rússia de outra maneira. Não é impossível imaginá-lo querendo se associar aos russos na venda de gás para a Europa e tentando abarrotar o mercado russo de produtos americanos, mais que empurrar a OTAN para uma guerra com a Rússia e ter de arcar com os custos disso, ou com os custos de uma guerra que nunca vem, mas cobra alto preço para manter a dissuasão. Da mesma forma, também não será difícil vê-lo conversando mais com os “pais ingleses”, que com a União Europeia, com a qual o Acordo de Livre Comércio, que vem sofrendo ameaças de estagnação ou abandono, só andará agora se for realmente positivo aos EUA e não a uma Europa unificada, a qual, já faz algum tempo, analistas vêm refletindo se, na realidade, não é este Bloco o grande adversário da liderança norte-americana no mundo, sendo tão ameaçadora e prejudicial aos EUA quanto a China. Também é possível pensá-lo voltando ao pleno apoio a Israel, que ficou um tanto quanto solitário com o Governo democrata de Obama, mais que se envolvendo ou dando amparo e contenção à Guerras que não tragam retorno.
Se isso acontecerá, é difícil certificar, já que são considerações possíveis dentro de um cenário de incertezas, o qual o próprio povo americano construiu, pois o que se tinha no horizonte com a vitória de Hillary era a continuidade do que aí está, ou seja, uma quase certeza, talvez por isso mesmo reprovada. Porém, não podemos ignorar aquilo que os analistas vêm afirmando, ou seja, que a atual política externa estadunidense a cada momento dá um novo passo em direção a uma guerra sistêmica e não ao equilíbrio e à Paz. Fica a pergunta se Trump significará um recuo nessa tendência, mesmo que os falcões tenham fama de serem agressivos, graças, muito mais, a propaganda contrária e às imagens das figuras curiosas que são eleitas pelo Partido do que a plena realidade.
Não se discute aqui se os falcões são agressivos, admite-se tal consideração, mas isso não significa que as pombas democratas sejam pacíficas. Geralmente elas fazem a mesma coisa, a diferença maior está no envolvimento internacional buscado para as ações, especialmente as bélicas, e no tempo que dura para encerrá-las, além de terem o hábito de encerrá-las ignorando que estão deixando um mar de novos problemas a resolver. Acusa-se os republicanos de começarem medidas extremas, bruscamente e sem pensar nas consequências, mas também há quem diga que os democratas têm o hábito de encerrar bruscamente medidas extremas sem concluir o que foi feito. Cabe ao observador avaliar o que gera mais desequilíbrio.
Para ver se esse quadro se concretizará, também tem de ser levada em consideração a personalidade de Trump. A imagem divulgada sobre ele é de que é agressivo e que toma decisões unilateralmente. Seu discurso foi visto como populista, racista, sexista e dúbio, voltado para uma massa que teve grandes perdas com a crise internacional e não viu resultados no Governo de Barack Obama.
Com esse proêmio, fica claro que o medo tende a ser despertado, pois é um líder que governará a maior potência econômica e militar do globo, gerando o receio de que uma personalidade com essas características possa, de um surto, tomar uma decisão apocalíptica, interferindo no mundo inteiro. Não dá para acreditar que isso seja tão fácil nos EUA, nem parece que seja o desejo dos republicanos, tradicionalmente isolacionistas em termos de relações internacionais, tal qual foi dito. Ademais, pode haver alguma distância entre a personagem da campanha e o homem real, bem como entre o que ele fez e disse e aquilo que parte expressiva da mídia lhe quis atribuir. Além disso, não foi focado seu desempenho como executivo e o papel que poderão exercer pessoas importantes, como sua filha, Ivanka, relativizando a identificação de uma suposta postura autoritária, além de mostrar que acusações de machismo também podem ser suavizadas. Não se pode ignorar o papel de relevo que ela, uma mulher, tem na administração da corporação da família e que poderá vir a desempenhar função expressiva na gestão presidencial, além de outras mulheres que lhes são próximas. Muitos tem afirmado que ela será a verdadeira Primeira Dama (ao invés de sua esposa, uma imigrante…!!) e tem personalidade respeitável.
Certamente, ele demonstra ser excessivamente competitivo, mas este traço é uma característica da cultura norte-americana e ele não destoa dessa condição. Talvez sua forma direta, as vezes dura e outras grosseiras possa trazer desconforto quando comparada com a postura de Barack Obama, sempre cauteloso, diplomático e elegante, um dos mais elegantes Presidentes que os EUA já tiveram, mas isso não o torna menos atraente, dentro da perspectiva que a condição atual exige e diante das reivindicações dos segmentos que o elegeram, os quais, ao que tudo indica, preferem mais a assertividade que o charme e querem mais eficácia no seu líder, mesmo, que, individualmente, aquele que esteja saindo, e indiretamente foi derrotado, seja uma pessoa espetacular ao seus olhos, tanto que se retira da Presidência com altíssimo índice de aprovação.
Neste ponto poderá estar a fragilidade do processo que se inicia, uma vez que a demanda parece ser por assertividade, com uma pauta restauradora dos princípios e comportamentos perdidos, só que isso se dará diante de um sistema em que ele terá de negociar muito para conseguir emplacar seus projetos e com rejeição pessoal expressiva por parte de seus interlocutores. Mas, nesta sala de fragilidade, especialistas afirmam que existe uma janela importante, capaz de reverter o jogo. Segundo apontam, o seu grande dom é a habilidade de negociação, típica de executivos de ponta e empreendedores de sucesso.
Aí podem estar os elementos que definem a quadratura do círculo que ele terá de fazer equacionando os seguintes problemas:
- Conseguir, por meio da negociação, controlar um Congresso que é majoritário ao seu partido, mas que não lhe vê com bons olhos, restaurando a pauta republicana e revertendo a política estadunidense aos seus primórdios.
- Solucionar os problemas das massas que perderam muito neste período recente, criando uma ponte para a reinclusão desses segmentos na economia.
- Segurar os investimentos no país e atrair mais capital para os EUA.
- Gerar e preservar os empregos.
- Descobrir uma forma de solucionar o problema de uma ampla massa de imigrantes indocumentados, sem gerar o caos social, contenciosos com os vizinhos latino-americanos e aversão da comunidade internacional.
- Sair da crise na Europa e no Oriente Médio, sem perder influência na região.
- Conter a China e reforçar a presença econômica na Ásia.
- Dialogar com a Rússia para fazê-la recuar e tentar torna-la parceira.
Terá de fazer tudo isso sabendo-se da rejeição que já tem. Se conseguir, certamente irá além do que foram muitos outros Presidentes estadunidenses e sairá da pecha que lhe criaram para a condição de estadista. No entanto, é difícil conceber que alcançará de forma plena tal intento, principalmente pelo fato de que lhe atribuem muita dubiedade e nebulosidade no discurso, razão pela qual ele já começa o jogo com outra desvantagem, pois terá de imediatamente conseguir algo que deveria ter sido a razão da sua eleição: precisará obter credibilidade pessoal num cenário econômico desfavorável.
Ao que parece, as pessoas preferiram a incerteza do Trump que a certeza da Hillary, ou seja, a rejeição foi a grande vitoriosa neste pleito, apontando que foi preferido o duvidoso que o certo que estava sendo visto de forma negativa. Porém, esta situação indica uma decadência na política norte-americana e, se isso é real, está sendo confirmada a necessidade de um retorno aos princípios fundadores, o que dará força ao modo de ver republicano e margem de ação ao seu atual líder eleito, o qual, se realmente for habilidoso saberá aproveitar da situação.
O medo maior talvez esteja entre os líderes republicanos, cujas expressivas e essenciais outras lideranças devem estar se perguntando: como fazer para impedir que um bilionário, independente, com discurso extremado, voltado para os trabalhadores e extratos médios, famoso por ser negociador, não se torne dono do Partido? Se tudo o que refere ao sistema de contrapesos das instituições norte-americanas não funcionar, a arte da política tem ensinado que não existe represa maior ao triunfo pessoal, ao sucesso total ou ao avanço de um líder, que o antagonismo e ambições de seus próprios partidários. Como lado positivo da história, certamente, estes serão os grandes freios a qualquer extrapolação de Donald Trump.