Uma perda que entristeceu o mundo, revelou o caráter de povos, e revelará o de pessoas
A tragédia do voo da Chapecoense é carregada de símbolos, que vão além do esporte, que estão aquém das disputas, que vivem no meio dos sentimentos mais profundos, os quais colocam as pessoas naquilo que elas carregam de nobre da condição humana.
A tragédia uniu a todos, com gestos de solidariedade vindos dos mais variados recantos do planeta para reduzir a dor e trazer consolo aqueles que sentirão de forma incurável as perdas que tiveram. Também para dignificar de maneira permanente os que partiram e para trazer uma esperança de que podemos agir de maneira elevada.
As homenagens trouxeram a confirmação de que a ideia de justiça e respeito sempre estarão acima das disputas. Além disso, que vale mais o aprendizado coletivo em qualquer situação do que os meros troféus individuais; que o clamor das disputas não é um canal para os triunfos, mas um instrumento para o aperfeiçoamento.
A manifestação inicial de união dos clubes brasileiros e argentinos com propostas de reconstrução da Chapecoense, com amplo e belo apoio da Federação Argentina de Futebol, vai além da comoção. Mostra que, sim, podemos aprender com o passado, se conseguirmos entender que os passos do presente têm como função seguir adiante numa escada de aperfeiçoamento.
Conseguiu a maioria ver que as perdas significaram muito mais que carreiras, empregos, projetos pessoais, o que quer que seja no aspecto individual. Conseguiu a maioria ver que as perdas significaram a destruição de sonhos e que cada sonho morto é um universo que colapsa, atingindo a humanidade inteira.
Neste momento, o povo colombiano deu uma demonstração de que a história ensina aqueles que estão abertos a uma vida melhor, de que se pode cooperar e trabalhar para o equilíbrio e harmonia. Pelo que fez, encantou o mundo com suas ações e se tornou o povo irmão de todos, não apenas dos brasileiros.
Mesmo sofrendo no seu passado e ainda no presente a violência a que foram e estão submetidos, diante da tragédia de um povo irmão, mostrou que entende que há algo além das disputas esportivas, que há algo essencial nessas situações que nos torna humanos, exatamente naquilo que tem de elevado no conceito de humanidade: a auto superação e o respeito pelo outro.
Isso, apesar da desgraça a que a Colômbia foi submetida durante décadas, com guerra civil, narcotráfico, e ofensas que vinham de vários lugares, colando estereótipos no seu povo. Demonstraram que entendem qual é a razão de ser da vida humana. A sociedade colombiana mostrou que entende isso. Seus dirigentes, com os exemplos que deram, também.
O povo brasileiro deu demonstrações de que também é capaz de entender essa realidade, com homenagens e gestos elevados. Falta a certeza de que nossos dirigentes e governantes também demonstrarão ser capazes de tal compreensão, bem como de se comportarem condignamente. Para nossa tristeza, não temos muita fé na nossa elite governamental e nos dirigentes esportivos. Há algo que lhes contamina quando assumem os mandatos, quando os gérmens já não trazem antes, e sempre esperamos o pior, pois deles, com boas exceções, normalmente recebemos o mais baixo, se auto superando, porém na degeneração.
Pelo que vem sendo disseminado na mídia, os exemplos já começaram: suspeitas de que cartolas querem tirar proveito para não assumirem seus erros e evitar rebaixamentos; suspeitas de que se tentou usar do sofrimento para reduzir as manifestações políticas no Brasil no dia 4; displicência da parte dos clubes para o encerramento do torneio nacional; e ideias de buscar brechas para fugir das responsabilidades e encerrar o Campeonato Brasileiro de forma judicial, podendo isso resultar num torneio em 2017 com 24 clubes. Que acinte!
Neste momento, o que se espera é que os dirigentes brasileiros também entendam o seus papeis. Agora que a etapa do choque passou, e, ao contrário do que se possa pensar, será momento quando a dor se tornará infinita, mas a vida terá de retornar ao passo necessário para a sua preservação, aguardamos que estes dirigentes, bem como os governantes do país não aproveitem da desorganização criada pela tragédia para dar ao mundo um exemplo negativo e pérfido do caráter de nossas elites políticas, governamentais e dirigentes, cuja imagem poderá recair sobre todo a nossa sociedade, sobre todos os brasileiros.
Que cada um assuma sua face, seus erros e não deturpe a imagem do Brasil com um exemplo de perfídia, de mediocridade e de caráter carregado de baixeza. Que aprendam a respeitar o outro como os colombianos nos demonstraram serem capazes de fazê-lo e, assim, possam, sem alardes, fazer a justa homenagem as vítimas da tragédia.